Iniciativa para preservar a memória histórica
Localizado na região central do Rio de Janeiro, o edifício de três andares na Rua da Relação, número 40, chama a atenção pela sua arquitetura imponente. No entanto, sua história é marcada por tragédias. O palacete, que um dia abrigou a sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão que atuou na repressão durante a ditadura militar de 1964, agora será o centro de uma iniciativa para trazer à tona as memórias esquecidas da opressão. A Câmara Municipal do Rio aprovou recentemente uma lei que prevê a instalação de placas informativas em locais que evocam as histórias de violência e repressão política, buscando garantir que esses episódios não sejam apagados da memória coletiva da cidade.
O programa, intitulado “Memória, Verdade e Justiça Carioca”, estabelecerá uma lista de locais a serem identificados, a qual ainda será elaborada. De acordo com o Diário Oficial de 9 de dezembro, a proposta é que a prefeitura designe um órgão responsável pela implementação do programa. As placas serão instaladas em lugares que foram identificados pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade, mas também aceitarão sugestões de movimentos sociais e organizações que lutam pelos direitos humanos.
Reforçando a educação sobre o passado
A autora da lei, a vereadora Maíra do MST (PT), ressalta a importância desta iniciativa em um momento em que a democracia brasileira enfrenta desafios. “Vivemos um cenário em que ataques à democracia e discursos favoráveis à ditadura ainda permeiam o debate político. Isso está intimamente ligado à falta de memória sobre o período”, afirma. Para ela, as placas não resolverão os problemas do passado, mas desempenharão um papel educacional crucial para as futuras gerações. Ela acredita que as primeiras placas devem ser instaladas já em 2024, após os trâmites necessários junto à Prefeitura.
A vereadora propõe que um grupo de trabalho, envolvendo acadêmicos e organizações reconhecidas pelo seu trabalho na área de direitos humanos, seja criado para auxiliar na escolha dos locais. Um dos referenciais para essa lista será o livro “Lugares de Memória e Resistência no Estado do Rio de Janeiro” (Ed. PUC-Rio, 2018), uma pesquisa realizada por mais de 40 pesquisadores do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio, que catalogou 101 locais relacionados à repressão no estado.
Memórias que não podem ser esquecidas
Entre os locais que podem ser sinalizados estão o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que atuou na Tijuca entre 1970 e 1979, e onde o ex-deputado Rubens Paiva foi torturado e morto. Outros locais mencionados na lista incluem a 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar, o Hospital Central do Exército, e diversos outros pontos emblemáticos da repressão. Muito além da simples sinalização, a proposta visa a construção de um espaço educacional que mantenha viva a memória e previna o esquecimento.
O professor José Maria Gómez, coordenador da publicação citada, celebra a criação da lei e acredita que a identificação de lugares de memória é um passo fundamental para a educação cidadã. A iniciativa também ressoa com o sentimento de familiares de vítimas da ditadura, como Léo Alves Vieira, que destaca a força simbólica que essas placas representam. “Quando você coloca uma placa dizendo que ali funcionou um centro de tortura, isso tem uma força muito grande. Essa luta não pode ser apenas dos familiares, mas precisa ser abraçada pela sociedade como um todo”, afirma Léo.
Um passo rumo à justiça
Felipe Nin, arquiteto e membro do Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, também expressa sua satisfação com a nova lei. “Ela representa um desdobramento importante do trabalho da Comissão da Verdade, que já recomendava a sinalização desses espaços. Precisamos reafirmar nossas convicções democráticas e lembrar os horrores do passado.” Outro ponto ressaltado é a existência de uma legislação anterior, de 2022, que criou o Circuito Histórico da Luta pela Democracia, mas que ainda não foi efetivamente implementada.
Cecília Coimbra, que também foi vítima da repressão, destaca que a iniciativa é bem-vinda, mas enfatiza que medidas similares deveriam ser adotadas a nível federal. “É uma medida extremamente importante, mas deve ser ampliada. Precisamos que isso se torne uma lei federal, válida em todos os estados brasileiros”, conclui Cecília, que tem trabalhado incansavelmente para que as memórias das vítimas da ditadura nunca sejam esquecidas.

