Legislação Histórica Avança na Diversidade Religiosa
O Estado do Rio de Janeiro fez história ao reconhecer oficialmente a validade civil dos casamentos realizados em terreiros de Umbanda e Candomblé. Essa importante mudança, fruto da Lei nº 11.058/25, de autoria do deputado estadual Átila Nunes (PSD), foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governo estadual, tornando o Rio a primeira unidade federativa do Brasil a conceder tal direito às religiões de matrizes africanas.
Com a nova legislação, as uniões celebradas nesses ambientes religiosos poderão ser convertidas em casamentos com efeitos civis, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Código Civil e pela Lei dos Registros Públicos. Isso significa que cerimônias que tradicionalmente ocorrem nos terreiros, há décadas, agora têm o mesmo reconhecimento jurídico que os casamentos celebrados em igrejas católicas e evangélicas. Essa mudança reforça o princípio do Estado laico e a igualdade de todas as religiões no país.
Avanço Contra a Intolerância Religiosa
A cientista da religião e sacerdotisa Claudia Alexandre, que há mais de 20 anos realiza casamentos e batizados em seu terreiro em Paraty, acredita que a nova legislação representa um avanço tanto simbólico quanto prático na luta contra a intolerância religiosa. Para ela, o reconhecimento oficial, embora tardio, é um passo significativo que valida as tradições afro-brasileiras, frequentemente marginalizadas e estigmatizadas.
Claudia ressalta que ritos de passagem, como casamentos, batizados e cerimônias de despedida, sempre foram parte integral da prática religiosa da Umbanda e do Candomblé, mesmo sem o reconhecimento estatal. A mudança agora proporciona uma importante legitimidade às celebrações, refletindo uma evolução no respeito à diversidade cultural do Brasil.
Procedimentos para o Reconhecimento Civil
Para que uma cerimônia religiosa seja convertida em casamento civil, será necessário obter uma declaração emitida por uma autoridade religiosa reconhecida, que inclua os dados dos noivos, informações sobre a cerimônia e a identificação do celebrante e do terreiro. Este documento, junto com a documentação exigida pela legislação federal, deve ser encaminhado ao cartório competente, assegurando segurança jurídica ao processo.
A nova lei também estabelece quais figuras podem ser consideradas autoridades religiosas habilitadas, respeitando as normas de cada tradição. Assim, sacerdotes, sacerdotisas, babalorixás, ialorixás e outras lideranças espirituais reconhecidas terão a capacidade de lavrar as declarações necessárias, garantindo a autonomia das comunidades de terreiro.
Reconhecimento e Desafios Persistentes
O deputado Átila Nunes defende que a nova medida promove equidade e busca corrigir uma desigualdade histórica. Ele enfatiza que o reconhecimento dos casamentos nas religiões de matrizes africanas reafirma os princípios constitucionais da dignidade humana, liberdade religiosa, igualdade e proteção à diversidade cultural. Em um cenário onde o racismo religioso tem aumentado, essa iniciativa se torna ainda mais relevante.
No entanto, durante a sanção da lei, o governador Cláudio Castro vetou dois dispositivos importantes: um que previa punições para cartórios que se negassem a processar documentos relacionados às celebrações religiosas de forma discriminatória, e outro que autorizava a promoção de campanhas educativas e ações de valorização da Umbanda e do Candomblé por parte do Executivo e do Judiciário. Claudia Alexandre observa que esses vetos evidenciam a permanência de barreiras estruturais que dificultam a plena liberdade religiosa, reflexo de um racismo histórico que ainda limita direitos e invisibiliza tradições fundamentais para a formação cultural brasileira.
Apesar dos vetos, a nova lei é considerada uma conquista monumental. O reconhecimento civil dos casamentos na Umbanda e no Candomblé não apenas legitima os direitos legais de milhares de fiéis, mas também contribui para o respeito e valorização das religiões afro-brasileiras, favorecendo a construção de uma sociedade mais plural e justa, onde a discriminação não tenha espaço.

