A Modernização e o turismo em Cabo Frio
No final do século XIX e início do século XX, as grandes cidades enfrentaram um crescimento desmedido e problemas urbanos sérios. Este cenário gerou uma crença em que a técnica e a ciência poderiam oferecer soluções, juntamente com a industrialização, vista como um sinônimo de progresso. Durante a Era Vargas, essa busca pela industrialização se manifestou em iniciativas como a criação da Companhia Álcalis em Arraial, distrito que hoje faz parte de Cabo Frio. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, na década de 1940, lançou o Plano de Urbanização das Cidades Fluminenses, que, conforme destaca a professora Marlice Azevedo, visava revitalizar e transformar as cidades, espelhando a urbanização que já ocorriam na capital.
Esse plano buscava estruturar cidades do interior, como Araruama e Cabo Frio, para acomodar uma necessária dinamização urbana. O governo contratou o escritório dos irmãos Jeronymo e Abelardo Coimbra Bueno para desenvolver projetos de urbanização que visavam o desenvolvimento turístico dessas localidades. Embora não tenha sido implementado de imediato em Araruama, em Cabo Frio a urbanização começou a ganhar forças a partir dos anos 1950, com diversas alterações, mas sempre seguindo os princípios fundamentais do projeto inicial.
O Impacto do turismo como Política de Governo
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O turismo, enquanto política pública, se estruturou dentro deste contexto de modernização, tornando os Projetos Urbanísticos de Cabo Frio e Araruama algumas das primeiras iniciativas de urbanismo turístico fora da capital. Em Cabo Frio, o plano visava expandir a malha urbana de origem seiscentista, que até então se limitava a uma área entre o Convento e a Passagem, às margens do Canal do Itajuru. Essa ampliação foi projetada dentro de um cinturão viário que, hoje em dia, corresponde ao anel rodoviário, com limites que variam da Avenida Julia Kubitschek até a Passagem e se estendem até a Praia do Forte, enquanto salvaguardavam as dunas locais.
A proposta de zoneamento incluía uma expansão em direção ao mar, com cerca de metade da área urbana planejada destinada ao que se chamaria de “Bairro de turismo”, focado na construção de residências para veranistas. Enquanto a capital via uma metropolização acelerada, Cabo Frio começava a vivenciar um processo de ocupação turística que, segundo Cleber Dias, visava encontrar um “lugar da natureza”, onde o mar se tornava um espaço de lazer.
Arquitetura Moderna e o Crescimento Turístico
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A partir da década de 1950, quando a arquitetura moderna brasileira já se destacava em debates internacionais, os arquitetos contemporâneos começaram a ser requisitados tanto pelo governo quanto por clientes particulares para desenvolver novas arquiteturas adequadas a essas novas realidades sociais. Este contexto coincide com o crescimento intensificado de Cabo Frio em função do turismo, o que não foi uma surpresa ao vermos esses profissionais atuando na região. O que realmente impressionou foi a diversidade e a qualidade das obras, formando um acervo moderno que começou a ser desvelado por meio de pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Modernos Praianos, vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Estácio Cabo Frio.
A pesquisa, que teve início com uma tese de doutorado na UFRJ em 2022, já catalogou 87 projetos datados entre 1942 e 1979, abrangendo 55 projetos e várias outras obras de filiação moderna. Essa coletânea inclui nomes emblemáticos do modernismo brasileiro, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Burle Marx, entre outros. As residências de verão e os clubes que se formaram ao longo dos anos em Cabo Frio tornam-se marcos dessa nova tipologia ligada ao lazer, tanto náutico quanto praiano.
Preservação do Patrimônio Moderno e seu Valor Cultural
Embora algumas estruturas tenham se perdido, há exemplares significativos que permanecem, como a primeira edificação do Clube do Canal, originalmente projetada em madeira, mas reconstruída em concreto após um incêndio. Outros edifícios, como a Residência de Homero Souza e Silva e a Residência Abelardo Delamare, permanecem como testemunhos da história arquitetônica da cidade. A variedade dessas construções ressalta a importância de documentar e preservar o patrimônio moderno, que, sem dúvida, enriquece a história e a identidade de Cabo Frio.
A pesquisa revela que o crescimento significativo da cidade ocorreu durante o ciclo turístico, e a preservação dessas obras é crucial para garantir que a memória arquitetônica da cidade continue viva. O turismo cultural se beneficia diretamente do conhecimento e da permanência desses ativos, reafirmando a importância de preservar a arquitetura moderna como parte essencial da identidade local. Assim, os legados dos modernos não são apenas um testemunho do passado, mas também uma ponte para o desenvolvimento contínuo e sustentável do turismo cultural.
*Ivo Barreto é arquiteto, professor na FAU/UNESA e especialista em Bens Culturais. Autor de publicações pela Sophia Editora, ele ocupa a cadeira nº 21 da Academia Cabofriense de Letras.*