O Impacto da Modernização em Cabo Frio
O final do século XIX e o início do XX foram marcados por um crescimento acelerado nas cidades, trazendo à tona a crença de que a técnica e a ciência poderiam resolver os problemas urbanos. Essa ideia foi fundamental para a industrialização que ocorreu durante a Era Vargas, com a implantação de iniciativas como a Companhia Álcalis em Arraial, um distrito de Cabo Frio. A modernização do Estado brasileiro se estendeu a vários setores, incluindo educação, leis trabalhistas e urbanismo. Nos anos 1940, o Rio de Janeiro lançou o Plano de Urbanização das Cidades Fluminenses, que, segundo a professora Marlice Azevedo, visava transformar o cenário urbano, refletindo o que já ocorria na capital. O governo fluminense comissionou o escritório dos irmãos Jeronymo e Abelardo Coimbra Bueno para desenvolver Projetos de Urbanização, focados em Araruama (1941) e Cabo Frio (1942), cidades pequenas, mas de grande beleza paisagística, com o objetivo de dinamizar o turismo. Embora em Araruama a implementação tenha sido mais lenta, em Cabo Frio, a urbanização começou a ganhar força nos anos 1950, adaptando-se ao traçado inicial do projeto.
A importância do turismo como política pública se consolidou nesse contexto de modernização. Os projetos urbanísticos de Cabo Frio e Araruama se destacam como algumas das iniciativas pioneiras de Urbanismo Turístico fora da capital fluminense. Em Cabo Frio, o plano visava expandir a malha urbana de origem do século XVII, que até então se concentrava entre o Convento e a Passagem, ao longo do Canal do Itajuru. Essa expansão foi proposta dentro de um cinturão viário que hoje é equivalente ao anel rodoviário, estendendo-se até a Praia do Forte, respeitando as dunas naturais da área. O zoneamento previu que quase metade da nova área urbana fosse voltada para o “Bairro de Turismo”, destinado à construção de residências para veranistas.
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A arquitetura Moderna como Reflexo do Turismo
Enquanto a urbanização da capital fluminense se intensificava em um processo de metropolização, Cabo Frio iniciava a busca por um “lugar da natureza”, conforme descrito por Cleber Dias. Nesse cenário, o mar surgiu como um espaço de lazer, e a demanda por arquiteturas que facilitassem essa nova relação com o ambiente foi crescente. Assim, a balnearização da cidade a partir dos anos 1950 trouxe à tona a necessidade de novas construções que integrassem o lazer e a relação com o mar.
Se, nos anos 1930, o Movimento Moderno estava se afirmando, após 1950, a arquitetura Moderna brasileira já era reconhecida internacionalmente. Profissionais dessa área começaram a ser procurados tanto por estados quanto por clientes particulares para desenvolverem soluções arquitetônicas voltadas para essas novas sociabilidades. Nesse contexto, a intensificação do turismo em Cabo Frio gerou a presença de arquitetos Modernos locais, trazendo uma diversidade de projetos e obras que formam um vasto universo ainda pouco explorado.
A pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa Modernos Praianos, vinculado à Faculdade de arquitetura e Urbanismo da Estácio, revelou um acervo significativo de obras, com 87 ocorrências datadas entre 1942 e 1979, além de 55 projetos e várias outras obras de forte influência Moderna. Nomes como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, e Burle Marx estão entre os autores que marcaram essa fase arquitetônica que moldou Cabo Frio.
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Preservação e Valorização do Patrimônio Arquitetônico
Dentre as obras, destacam-se as Residências de Verão e os Clubes que, ao longo dos anos, foram surgindo na cidade e à beira do Canal, originando novas tipologias voltadas para o lazer náutico e praiano. Embora algumas construções tenham se perdido ao longo do tempo, exemplares importantes, como o primeiro edifício do Clube do Canal, projetado por Vital Brazil e reconstruído por Ricardo Menescal em concreto, ainda existem. Outras residências notáveis incluem a de Homero Souza e Silva, atual sede do Iate Clube do Rio de Janeiro, e a de Abelardo Delamare, localizada em um ponto estratégico entre os canais.
Com o crescimento do turismo, Cabo Frio formou um dos acervos arquitetônicos mais significativos do país, mesmo que seu crescimento até o século XIX tenha sido modesto. O estudo dos Modernos Praianos revela que a maior parte das estruturas de relevância surgiu durante o Ciclo Turístico. Identificar e valorizar essas obras, que têm grande importância para a identidade local e a história da arquitetura no Brasil, é essencial. A preservação desse patrimônio permite que futuras gerações possam compreender e reconhecer os valores que eles representam.
O turismo cultural, que se fundamenta na valorização e reconhecimento dos ativos arquitetônicos e paisagísticos, é crucial para a manutenção da memória de Cabo Frio. Assim, a arquitetura Moderna, enquanto traço de identidade local, é não só uma herança do passado, mas também um vetor para o turismo cultural que buscamos promover na cidade.