Uma Nova Abordagem para a Saúde Pública
O Brasil se prepara para revelar, na COP30, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, um plano pioneiro que visa adaptar o sistema de saúde às alterações climáticas. Entre as ações propostas, destaca-se a reorganização das rotinas em unidades de saúde e hospitais, especialmente em ciclos de calor extremo. A proposta inclui a reavaliação de horários de atendimento e escalas de descanso, além de ajustes em protocolos clínicos, como a dosagem de medicamentos, que pode ser impactada pelo aumento das temperaturas.
“Se as ondas de calor se tornarem mais frequentes, os serviços de saúde precisam se reconfigurar. Não podemos manter os mesmos horários de atendimento se sair às ruas entre meio-dia e quatro da tarde se tornar perigoso”, destaca a epidemiologista Ethel Maciel, de 56 anos, representante do Brasil na conferência e ex-secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que a crise climática poderá resultar em cerca de 250 mil mortes anuais entre 2030 e 2050, devido a fatores como desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Para enfrentar esses desafios, estima-se que os serviços de saúde enfrentarão custos anuais entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões.
O projeto, denominado Plano de Ação para a Saúde de Belém, foi desenvolvido em colaboração com a OMS e busca mobilizar a comunidade internacional para criar sistemas de saúde resilientes e sustentáveis, adaptados às novas realidades climáticas.
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Três Eixos Centrais do Plano
O plano se estrutura em três eixos principais: fortalecimento da vigilância e monitoramento, preparação dos serviços e profissionais, além do incentivo à inovação sustentável na cadeia produtiva da saúde. O primeiro eixo aborda a criação de uma vigilância climática e sanitária integrada, que possibilite a correlação entre dados ambientais e de saúde, permitindo que estados e municípios identifiquem, com antecedência, riscos como ondas de calor, aumento da poluição e proliferação de doenças.
“Até o ano passado, o Brasil não possuía um painel que relacionasse a poluição do ar com indicadores de saúde. Agora, essa informação é fundamental para desenvolver políticas públicas eficientes”, comenta Ethel, que também atua como professora titular na Universidade Federal do Espírito Santo. A integração dos dados climáticos e de saúde é uma estratégia essencial, especialmente em face de eventos adversos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Pantanal.
A proposta é que, com base nesses alertas, protocolos de resposta rápida sejam estabelecidos, como a suspensão temporária de atividades ao ar livre quando os níveis de poluição do ar ultrapassarem limites seguros, prática já adotada em algumas cidades europeias.
Preparação e Inovação na Saúde
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O segundo eixo do plano enfoca a preparação dos serviços de saúde para enfrentar condições ambientais extremas, com políticas fundamentadas em evidências. Além de garantir que a infraestrutura seja adequada, é crucial treinar profissionais para lidar com emergências decorrentes do calor, queimadas e inundações. Segundo Ethel, o Brasil ainda está em um estágio inicial na formação de profissionais para encarar esses novos desafios. “Nossos currículos de medicina e enfermagem mal tocam no tema das mudanças climáticas. Somente em 2024 o Ministério da Saúde lançou seu primeiro protocolo sobre clima e saúde”, explica.
Algumas doenças já estão mudando seu perfil, como o vírus oropouche, que antes era restrito à Amazônia e agora se espalhou pelo país, além da dengue, que já atinge nações sem registros anteriores, como Uruguai e Itália. O Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu um protocolo municipal para atender emergências relacionadas ao calor após a morte de uma jovem durante um show em 2023, um modelo que já inspira outras cidades brasileiras. “Esse caso serviu de alerta e se tornou uma referência nacional”, afirma Ethel.
Repensando a Cadeia Produtiva da Saúde
O terceiro eixo do plano busca uma revisão da cadeia produtiva do setor, reconhecido como um dos mais poluentes globalmente. “O setor de saúde consome muito plástico, gera resíduos e demanda uma quantidade significativa de energia. Precisamos analisar nossos processos e incentivar o uso de fontes de energia renovável”, ressalta Ethel. Ela afirma que o Brasil está bem posicionado para liderar essa transição. “Estamos fortalecendo o complexo econômico-industrial da saúde. Se as novas instalações industriais forem projetadas com menos pegada de carbono, o impacto será substancial.”
Entre as iniciativas em estudo estão o desenvolvimento de medicamentos e imunobiológicos que tenham maior resistência a variações de temperatura, além de uma reavaliação de embalagens plásticas e materiais descartáveis usados em larga escala. O Adapta-SUS, a versão nacional do plano, tem a intenção de incluir ações de adaptação no orçamento de estados e municípios, algo que atualmente não existe.
A colaboração com o setor privado também será crucial para o sucesso do plano. “Precisamos planejar o sistema como uma rede integrada, envolvendo tanto o setor público quanto o privado, elaborando estratégias para evacuação, estoques de medicamentos e protocolos de crise”, finaliza Ethel.
A COP30 em Belém representa uma oportunidade de testar na prática as ações de preparação, com o Ministério da Saúde estabelecendo um centro de emergências sanitárias na cidade e realizando simulações de resposta a surtos de saúde, aproveitando eventos como o Círio de Nazaré para testar os protocolos. “Grandes eventos sempre trazem riscos sanitários. Assim como as ideias circulam, vírus e bactérias também se disseminam entre as pessoas. Por isso, estamos treinando equipes e avaliando fluxos desde o ano passado”, conclui.
O Ministério Público Federal já acendeu um sinal de alerta para o risco de colapso na rede de saúde de Belém durante a COP30, que deve receber cerca de 50 mil visitantes. Ethel informa que profissionais de diferentes estados estão mobilizados para reforçar o atendimento durante a conferência. Após o evento, o desafio será implementar o plano na prática. “Precisamos que isso seja aplicado nas cidades, nas escolas de saúde, na vida cotidiana. O clima mudou, e a saúde precisa acompanhar essa transformação. O que está em jogo é a nossa capacidade de continuar cuidando das pessoas em um planeta cada vez mais aquecido.”
