Fiscalização mais rigorosa sobre arrendamentos rurais
A Receita Federal acendeu um sinal de alerta para os produtores rurais que atuam como pessoas físicas. Em novembro, o órgão lançou a Operação Declara Agro (Arrendamentos), durante a qual foram identificadas inconsistências em mais de 1.800 declarações de Imposto de Renda, totalizando valores que ultrapassam R$ 1,7 bilhão. Os contribuintes que receberem notificações têm até o dia 30 de janeiro de 2026 para se autorregularizar. Aqueles que não cumprirem este prazo poderão enfrentar multas que podem alcançar até 150% do valor do imposto devido.
A fiscalização concentra-se principalmente nos contratos de arrendamento rural. A Receita Federal apontou indícios de que muitos produtores têm declarado receitas provenientes de arrendamentos como se fossem receitas da atividade rural, o que resulta em uma carga tributária menor, mas configura uma irregularidade fiscal.
O advogado tributarista Leonardo Amaral, especialista em agronegócio e autor do livro “Imposto de Renda na Atividade Rural”, ressalta que essa prática não é nova e é bastante recorrente no setor. Ele alerta: “Há anos venho advertindo que declarar receitas de arrendamento como se fossem de atividade rural é arriscado. O cruzamento de dados, cada vez mais sofisticado, permite que a Receita Federal identifique essas inconformidades com facilidade”.
A Operação Declara Agro não teve início recentemente. Lançada em 2019 no Rio Grande do Sul sob a denominação Declara Grãos, a ação já resultou em mais de 30 mil declarações retificadas e uma arrecadação de R$ 131 milhões em regularizações. No que diz respeito às irregularidades ligadas a arrendamentos, foram identificados R$ 196 milhões em valores declarados e R$ 33,8 milhões em Imposto de Renda regularizado. Em 2023, a operação foi ampliada para abranger todo o território nacional, sendo renomeada para Declara Agro.
Irregularidades comuns e recomendações para evitar problemas com a Receita
Leonardo Amaral aponta uma das irregularidades mais frequentes: a situação em que o proprietário da terra recebe o pagamento do arrendamento em produtos, como soja, milho ou gado. Ao comercializar esses produtos, muitos produtores lançam a receita no Livro Caixa como se fosse produção própria. “Isso está incorreto. O recebimento em produtos é uma forma de pagamento do arrendamento, conhecida como dação em pagamento. Este montante deve ser tributado como receita de locação, por meio do Carnê-Leão, no mês em que é recebido. Se houver lucro na venda posterior, a diferença é considerada ganho de capital”, explica.
Outro ponto que merece atenção são os contratos de parceria rural. O especialista observa que a Receita Federal tem desclassificado muitos desses acordos, tratando-os como arrendamentos. “Em algumas situações, essa postura do fisco é agressiva e fundamentada em interpretações contestáveis do Estatuto da Terra. Portanto, é fundamental que os contratos sejam bem elaborados, que haja documentação robusta e acompanhamento técnico para respaldar a natureza real da parceria”, orienta.
A Receita Federal utiliza três canais principais para notificar os contribuintes: cartas enviadas pelos Correios, mensagens na caixa postal do e-CAC e comunicados por e-mail ou SMS cadastrados. É importante lembrar: mensagens oficiais não contêm links clicáveis e não solicitam dados pessoais. Aqueles que não acessam frequentemente o e-CAC podem perder prazos sem perceber.
Receber uma notificação não indica, necessariamente, que o produtor está em falta. “Isso significa que há uma divergência que precisa ser minuciosamente analisada”, destaca Amaral. A regularização pode ser feita totalmente online, por meio da retificação da declaração, envio do LCDPR e pagamento de eventuais débitos no e-CAC. Antes de qualquer ação, porém, é essencial avaliar se a cobrança é procedente ou se há espaço para uma defesa técnica.
Consequências da não regularização e perspectiva futura
Aqueles que se autorregularizam dentro do prazo podem evitar a multa de ofício, pagando apenas o imposto devido com juros pela taxa Selic. A diferença financeira pode ser significativa. “Um imposto de R$ 100 mil pode se transformar em até R$ 250 mil com as penalidades. Além do impacto financeiro, há o risco de inscrição em dívida ativa e complicações para a obtenção de crédito rural”, alerta o tributarista.
A fiscalização também está se estendendo às despesas dedutíveis no Livro Caixa. Gastos com caminhonetes de cabine dupla e SUVs têm sido questionados pela Receita, que argumenta que esses veículos não são utilizados exclusivamente na atividade rural. Para Amaral, essa interpretação é abusiva. “A caminhonete é uma ferramenta de trabalho no campo. Comprovar o uso produtivo, por meio de notas fiscais, manutenção e registros, fortalece a defesa”, conclui.
O cenário que se desenha para os próximos anos pede uma atenção redobrada. Em 2026, além da continuidade da Declara Agro, novos tributos sobre consumo, como IBS e CBS, entrarão em fase de testes e devem impactar diretamente os contratos rurais. Mutações no Imposto de Renda das atividades rurais também estão sendo discutidas.
“Diante de custos elevados, margens apertadas e crédito caro, a gestão tributária deixou de ser um detalhe. Tornou-se uma questão de sobrevivência. Planejar, revisar declarações e organizar documentos é o caminho para evitar prejuízos”, finaliza o especialista.

