Reflexões em um Momento de Mudança
Até então, o banquinho era apenas um objeto comum na cozinha, quase insignificante. Seu valor era percebido apenas quando alguém precisava alcançar prateleiras mais altas, e sua construção em madeira simples e mal acabada não o destacava de maneira alguma. Com quatro cilindros de borracha preta nas extremidades das pernas, ele servia mais como um antiderrapante do que como um adorno, algo que esse pequeno banco definitivamente não merecia. Contudo, ao sentar-me nele, percebi que sua importância em minha vida ia muito além do que eu imaginava. De repente, aquele objeto tornou-se o último elo que me conectava a um passado que já não poderia ser recuperado. A casa estava esvaziada, restando apenas ele — o último móvel a testemunhar anos de uma vida familiar repleta de alegria.
A mudança, que havia consumido o dia todo, contava com a destreza de homens equipados com macacões da empresa de mudanças. Enquanto alguns se dedicavam a embalar objetos, outros protegiam os móveis, e um grupo mais cauteloso cuidava das peças frágeis, como vidros e louças. Três deles se encarregaram de carregar tudo para o caminhão baú, estacionado em frente à casa, sob a supervisão do motorista, que organizava a disposição dos itens no veículo, incluindo bicicletas e outros objetos de difícil manuseio.
A Despedida e as Memórias
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Enquanto minha família já se encontrava na nova residência, pronta para receber a primeira leva de mudanças, eu me via sozinho, observando aquele trabalho metódico e, aos poucos, percebia a casa, repleta de lembranças — mais alegres que tristes, é verdade —, se esvaziando. Os cômodos, antes tão conhecidos, pareciam ganhar dimensões maiores a cada instante. Cansado de apenas observar, sentei-me no banquinho da cozinha, talvez pela primeira vez, e um leve desconforto me invadiu. A partir dali, podendo ver o corredor pequeno, assisti o restante do trabalho dos homens, cuja eficiência começava a me incomodar. Seria melhor se eles retirassem os pertences com mais calma, permitindo que eu tivesse um tempo extra para me despedir dos meus fantasmas e colocar um ponto final em uma fase tão significativa da minha vida.
A vida, às vezes, toma direções inesperadas, e aquela mudança era uma delas. Antes de me sentar no banquinho mágico, estava certo de que a transição de uma casa para um apartamento seria uma ótima oportunidade e, talvez, a realização de um sonho. Mas o que fazer com aquele banco que me lembrava da compra do terreno, das conversas acaloradas com o arquiteto, das celebrações com os pedreiros durante a obra e das noites em que o som das ondas do mar quebrando na areia invadia nossos lares? Deixar uma zona de conforto que poderia ser prolongada indefinidamente era uma decisão inteligente? Mudar para quê? Começar um novo ciclo, acordar sob um teto diferente?
— Ei, senhor, acabamos. Só falta o senhor se levantar para pegarmos esse banquinho — a voz do motorista interrompeu meus devaneios.
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— Banquinho? — perguntei, ainda atordoado.
Levantei-me, observei enquanto ele pegava o banco por uma das pernas e se dirigia à porta. Logo, ele e os outros trabalhadores partiram.
Esperei por um momento, escutando o motor do caminhão se distanciar. Percorri a casa em silêncio, um silêncio que carregava uma saudade profunda. Fechei portas e janelas, e, ao sair, ainda me voltei para ver pela última vez uma parte significativa da minha vida.
O banquinho, curiosamente, nunca mais o vi. Por algum motivo, ele não chegou ao novo lar. Será que ele tomou a decisão que eu não tive coragem de tomar?
Rio, 2025
Por: Alfeu Valença – Adaptação do Portal Tempo Real